julho 02, 2009

Jornalista igual cozinheiro



por: Ahmad Jarrah

No último dia 24 de última hora, resolvemos ir a um seminário sobre Jornalismo Literário, com a presença dos jornalistas Matinas Suzuki, que foi editor-executivo da Folha de S.Paulo, diretor do grupo Abril e fundador e presidente do Portal iG, e Daniel Piza, colunista do Caderno 2 e diretor de O Estado de S. Paulo.


Tá certo, estavam lá os “caras da grande mídia”, pensei no que iria ser dito frente a toda discussão que vem acontecendo em torno das mídias pelo país. Além do mais o Sindjor resolveu fazer uma manifestação de repúdio à queda do diploma. Sonhei com um enfrentamento, mas não rolou. Meio tímidos, entraram na sala pouco a pouco, carregando cartazes com as fotos dos ministros do STF que defenderam a extinção da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, que fique claro.


Sim, eu sou a favor da queda do diploma, e iria entender completamente isso naquela noite. Keka Werneck, presidente do Sindjor leu a carta de repudio que votaram em assembléia e foram embora num clima de velório. Fiquei refletindo sobre, mas não ia lançar nenhum debate naquele momento porque a palestra já estava atrasada e Lorenzo pronto pra mediá-la.


Suzuki e Piza apresentam o jornalismo literário. Vou aqui me deter apenas às interpretações que fiz de tudo. Eles começaram mostrando a diferença com o jornalismo factual, tão massivamente produzido na imprensa atual, com pouca preocupação com o texto, apenas lead, o que, como, onde e quando. O jornalismo factual acabou por tirar a sensibilidade do público frente aos fatos, números se tornam abstratos e o conteúdo parece os mesmos em qualquer jornal, abordados quase sempre sob a mesma perspectiva relatorial.


Já o jornalismo literário, que não é jornalismo cultural nem sobre literatura, mas uma alternativa ao conteúdo, preocupado com o texto, trazendo uma lente microscópica em cima dos fatos, humanizando o discurso, delineando personagens e perfis reais, se coloca quase como um documentário. Deram como exemplo vários escritores como Truman Capote, Gay Talese, Norman Mailer entre tantos outros nomes premiados pelas melhores reportagens da imprensa mundial.


O jornalismo literário é uma vertente que preza pela escrita, pelo texto, pelo conteúdo, é como disse Suzuki uma “narrativa não-ficcional”, que utiliza dos recursos da literatura para produção de grandes textos. Demanda normalmente um tempo maior para a pesquisa, e um mergulho do escritor na sua pauta. Além disso, sua crítica apurada não permite a fácil aceitação das coisas que são ditas em entrevistas como verdades, por exemplo, mas sim com a pesquisa encontram as brechas da contradição que lhes fornecem uma perspectiva não convencional sobre o assunto. Atualmente, frente a pouca produção de grandes obras literárias ficcionais, crescem nas livrarias a procura por textos narrando a realidade de forma literária.


Claro que há um certo olhar blasé no jornalismo literário, mas não é a isso que eu gostaria de me ater. Fiz apenas uma introdução para contextualizar.




Refletindo sobre jornalismo literário, vi como o rap poderia ser considerado como tal. Tá certo que não possui a literatura das grandes obras em suas letras, mas retrata fielmente o cotidiano e a realidade de pessoas e comunidades. Uma letra de rap pode me dizer muito mais sobre o crime do que qualquer caderno policial, e o melhor, tenho o conteúdo diretamente da fonte, sendo um letrado ou mesmo alguém que não chegou à quarta série. Não tenho dados, e acho que nem preciso deles pra dizer que a maioria das pessoas que fazem e cantam rap nas periferias do país não possuem diploma em curso algum. Aqueles grandes nomes que foram citados na palestra não possuíam diploma de jornalismo, o que me gerou uma certa inquietação, motivo inclusive deste texto.


Depois que vi a frase “jornalista igual cozinheiro” dita pelo Ministro do STF Gilmar Mendes durante a votação, me veio uma lembrança de algo bastante familiar e não pude deixar de fazer algumas comparações.


A questão era: os jornalistas da mídia impressa se acomodaram com a produção de um conteúdo factual, estéril, abstrato, que não me diz nada, não me fornece perspectivas diferenciadas, é a mesma abordagem em todos os veículos. Pouca pesquisa, pouca atualização, muitos cadernos sobrevivendo de releases e atuando como agendas ou reprodução de assessorias.


Enquanto isso a internet me oferece muito mais perspectivas sobre os fatos, conteúdos mais interessantes, escritos sem se ater a regras, com a liberdade subsidiando a criatividade. Blogs, twitter, youtube, streamings, muitas vezes me dão as fontes diretas, e nesses casos nem preciso do jornalista como mediador da informação.


Esse acomodamento reflete inclusive dentro das faculdades de jornalismo, onde temos uma grade curricular totalmente desatualizada e a margem dos largos passos dados pela comunicação na última década.


Aí fazendo uma comparação, por exemplo, com a evolução tecnológica percebemos os upgrades dados na produção de softwares, iniciativas inovadoras e revolucionárias surgindo muitas vezes das mãos de pessoas com 10, 12, 15 anos de idade, que nem sequer saíram do colégio. O que seria da tecnologia e da internet sem essa gurizada? Eis que surge o pesadelo dos jornais impressos, mas não como plataforma e sim conteúdo.


Letras, códigos, cifras, é tudo linguagem, é tudo escrita nos seus diferentes suportes. Um jornalista que defende o diploma não pode ser contra a Lei Azeredo, mesmo que o diga que sim, seria uma incoerência muito grande, pois é tudo o mesmo DNA. Não podemos brecar o talento de um garoto de 15 anos que toca bem uma guitarra porque ele não tem um diploma, não podemos impedir que ele suba num palco pra se apresentar porque não tem carteira da OMB.


Lembro agora dum tweet que li, acho que da @kakah que dizia “Se é pro diploma proteger a incompetência, é melhor que a queda dele legitime o talento”. E é isso mesmo que penso. O máximo que pode acontecer são os jornalistas correrem pra se atualizar, melhorarem seus conteúdos, oferecerem o diferencial da pesquisa, e as faculdades atualizarem suas grades curriculares, os professores se preocuparem mais com o ensino contextualizado com o nosso tempo. Não peço grandes banquetes, somente uma boa comida feita na hora.


Nesse sentido, pra mim fica claro que não existem “velhas mídias” e “novas mídia”, mas sim a mídia que hoje tem a tecnologia a seu favor de forma mais livre, onde podemos ser nossos próprios meios pulverizando a informação. E pra mim a diferença não se dá somente no suporte tecnológico, mas também e não menos importante no conceito.


Não é simplesmente um jornal criar um twitter e postar o mesmo conteúdo que está no impresso que ele se tornaria uma “nova mídia”. Estamos falando de conteúdo, e é aí que entra a diferença do que é produzido na internet, pelos blogs e afins, muitas pessoas, muitos pontos de vista, informação colaborativa, textos, fotos, vídeos, áudio, frente ao jornalista que está na redação fechando hj a noite a edição de amanhã. Por que eu leria hoje uma notícia de ontem, se a internet me dá tudo agora? O que os jornais têm pra me oferecer agora? O mesmo arroz com feijão frio de ontem e olhe lá quando tem feijão.


Lendo o epitáfio do Diogo Mainardi no seu podcast tive a prova cabal disso. Pra mim soou como “vou voltar pra minha redação que é onde sou eu quem mando”, não posso com a liberdade de expressão e com tantas pessoas aqui, com tantas opiniões e debates. Pra mim traduz literalmente o que chamam “novas mídias” como conceito e não somente como suporte. Eu sou emissor e eles receptores.


Argumento extremamente frágil aquele que diz que a queda do diploma afronta a liberdade de expressão, acredito no contrário, ela evidencia ainda mais. E a liberdade para conteúdos e leitores de todos os tipos, sem distinções, dos mais comuns aos mais complexos.


Agora aprofundando o olhar ainda mais para Mato Grosso, percebemos que enquanto os jornais pelo país não se resumem a simplesmente postar o conteúdo impresso nas suas páginas, mas sim produzirem também novos conteúdos atualizados, por aqui ainda encontramos o fenômeno da “velha mídia digital”.


O Diário de Cuiabá, com a mesma interface desde que conheço, em 2003 quando o Seven apresentou o TCC com o tema Refotografando Chau e colocou um banner do projeto no site, que inclusive está lá até hoje, no mesmo lugar.


A versão online da Folha do Estado conseguiu mudar de ruim pra pior. Primeiro enquanto todos disponibilizam seus conteúdos gratuitamente na net, a Folha chegou a divulgar que o acesso gratuito ao site se encerraria e somente assinantes poderiam ler o conteúdo. Mas se eu sou assinante do jornal impresso, pra que é que eu preciso acessar a versão online pra encontrar as mesmas notícias? Agora, apesar da propaganda dizer que é o “novo” vejo somente uma edição impressa um pouco mais bonita com o mesmo conteúdo de sempre, e um site constantemente desatualizado. Nem o conteúdo do impresso a Folha está conseguindo atualizar direito no site. Já a Gazeta se destaca um pouco mais na internet, mas mesmo assim muito aquém de ser bom.


Portanto, penso que antes de mobilizar para fazer manifestação contra a queda do diploma, é muito mais urgente e importante mobilizar para mudar a cara do jornalismo mato-grossense. Deixar de produzir a velha comida fria e passarem a ser ótimos cozinheiros, sabendo usar ingredientes e temperos para oferecerem em seu cardápio deliciosos pratos quentes para todos os paladares famintos de informação.


Quanto aos blogs, estão aumentando no estado… mas isso é assunto para um próximo post.


Deixo com vocês o epitáfio do Mainardi.


“Adeus, pessoas estranhas
Este é meu último podcast. O primeiro foi em setembro de 2006. Durou tudo isso: dois anos e dez meses. Era para ter durado apenas dez semanas. Algumas pessoas, estranhamente, se dispuseram a ouvi-lo. Eu sou grato a essas estranhas pessoas. A internet matou a imprensa. E eu, estupidamente, escolhi renunciar à internet, permanecendo no corpo carcomido da imprensa. Como um verme.”

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